De acordo com a National Alliance on Mental Illness (NAMI), é estimado que, nos Estados Unidos, 1,4% da população adulta tenha o diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), sendo quase 75% mulheres (NAMI, 2017). Além disso, segundo a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), esse transtorno afeta aproximadamente 20% dos pacientes psiquiátricos internados (APA, 2014). Assim, podemos observar a relevância de tal transtorno para a população, o qual gera diversos tipos de sofrimento para o indivíduo portador do transtorno e para seus familiares e amigos. 

O Transtorno de Personalidade Borderline é complexo e exige, de nós psicólogos, um vasto entendimento, principalmente dos aspectos neurobiológicos que o envolvem. Dessa forma, entender seus aspectos biológicos é ter uma compreensão mais ampla dos seus pacientes. Neste texto, procuraremos promover esse entendimento.

Para a compreensão sobre o cérebro de um paciente com o Transtorno de Personalidade Borderline, é importante definir alguns conceitos sobre o funcionamento cerebral geral. Primeiro, um pouquinho sobre o córtex pré frontal: o conceito de que o córtex pré-frontal (CPF) controla e inibe a amígdala e outras estruturas límbicas, denominado “cérebro reptiliano”, foi proposto há muitos anos (McLean, 1955 apud Sapolsky, 2021) Atualmente, a ciência entende que o CPF é formado por várias partes e subpartes. Ele apresenta dois circuitos essenciais: CPF Dorsolateral e o CPF Ventromedial. O Córtex Pré Frontal Dorso Lateral, o “Decididor dos decididores” é a parte mais racional, cognitiva e utilitária. Além disso, é a parte de evolução do CPF mais recente em termos filogenéticos e uma das últimas regiões a completar o desenvolvimento no ciclo de vida. Geralmente, esse circuito é associado às funções executivas frias. Já o CPF Ventromedial, outro circuito essencial, lida sobretudo com o impacto das emoções sobre a tomada de decisões e possui diversas interconexões com o sistema límbico. Geralmente, esse circuito é associado às funções executivas “quentes”. As funções executivas quentes são aquelas que envolvem emoções e impulsos, como a regulação da raiva, a tomada de decisão em situações estressantes e a capacidade de lidar com frustrações. Já as funções executivas “frias” são aquelas que envolvem raciocínio lógico e planejamento, como a capacidade de se concentrar em uma tarefa, a organização e a capacidade de controlar impulsos (Corso, 2013). 

O cérebro apresenta uma taxa metabólica superior à maioria dos demais órgãos e sistemas. O CPF é a região de evolução mais recente do cérebro e a última a amadurecer por completo, por isso, os neurônios corticais frontais, com padrões mais amplos de projeções, consomem mais energia (Sapolsky, 2021). Ele apresenta taxas altíssimas de metabolismo e de ativação dos genes relacionados à produção de energia. Devido a tal fato, o cérebro evolutivamente automatizou certos processos que exigem uma grande ativação dessa área para regiões mais reflexas do cérebro. Um exemplo clássico de tal acontecimento seria na tarefa de aprender a tocar um instrumento. Essa tarefa exige memória de trabalho e atenção, que ao longo do tempo, com o reforço de tais circuitos, a execução dessa tarefa é transferida do CPF ao cerebelo (Sapolsky, 2021). De forma concomitante, o processamento de informações se torna automático (Beck, 2022). Assim, pessoas com diferentes tipos de transtornos de personalidade desenvolvem uma estratégia específica para lidar com as demandas do ambiente. A palavra “estratégia” nesse contexto, se refere a comportamentos estereotipados, altamente padronizados e automatizados que promovem a sobrevivência e a reprodução individual. Esses padrões de comportamento podem ser vistos como a meta fundamental de sobrevivência. (Gilbert, 1989 apud Beck, 2017)

Parafraseando Paqquette e cols. 2003 apud Porto, 2008, p. 486: “mudando sua mente você pode modificar seu cérebro”. De forma concomitante, as pesquisas em neurociências nos mostram que a amígdala, estrutura cerebral do sistema límbico, localizada sob o córtex no lobo temporal, está relacionada a respostas comportamentais acerca do medo inato, medo adquirido, mediação da agressividade e processamento de emoções negativas. Os circuitos anormais da frontoamígdala têm sido implicados na agressão impulsiva, um sintoma central do TPB. (Sapolsky, 2021).

A amígdala, importante estrutura do sistema límbico, tem sido implicada não apenas no processamento de emoções negativas em geral, mas também, mais especificamente, na produção de comportamento agressivo em estudos com animais. Nos primatas, a mutilação bilateral da amígdala leva ao aumento da afiliação social e à diminuição da agressividade (Emery et al, 2001 apud New 2007).  

O componente biológico da teoria biossocial da regulação emocional estipula que o TPB surge de vulnerabilidades biológicas ao aumento da reatividade emocional. Estudos de TPB concentraram-se principalmente em metabólitos em três regiões do cérebro: amígdala, córtex cingulado anterior (CCA) e dorsolateral córtex pré-frontal (CPFDL), uma vez que o CCA e o CPFDL estão amplamente implicados na regulação emocional e nos processos de controle cognitivo, mais especificamente a área dorsal CCA, envolvida na avaliação do quando se deve exercer determinado controle cognitivo e quanto controle exercer. (Ruocco, 2016). 

Um estudo mais recente realizado por Iskric (2021), implicaram em revisões abrangentes consistentes anormalidades na amígdala, no córtex cingulado anterior e no hipocampo na neurobiologia do TPB. Os resultados indicaram que houve desativação significativa da atividade da amígdala, bem como do córtex cingulado anterior,  em pacientes com TPB após tratamento com DBT. O córtex cingulado anterior é responsável por regular funções autônomas e cognitivas. Ele está envolvido na regulação da motivação, na detecção de conflitos, na aprendizagem aversiva e na modulação de respostas emocionais. Além disso, vários estudos descobriram que, após o tratamento com DBT, os pacientes apresentavam uma diminuição da atividade no giro frontal inferior, em resposta a estímulos de excitação e aumento da atividade em resposta ao controle inibitório (Iskric, 2021). O giro frontal inferior é uma região do cérebro humano localizada na parte frontal do lobo frontal. Essa região é responsável por diversas funções cognitivas e comportamentais, desempenhando um papel fundamental na tomada de decisões, no controle emocional e na regulação do comportamento social, áreas defasadas e de difícil modulação dentro da clínica no TPB.

Dessa forma, podemos observar que conhecer aspectos neurobiológicos do funcionamento dos indivíduos é essencial para a compreensão do paciente como um todo. Somente assim, poderemos fazer uma prática eficaz e baseada em evidências, oferecendo o que há de melhor à nossa disposição. Realizar o tratamento do TPB pode ser desafiador, mas se pautamos nossa prática na ciência, respeitando a subjetividade e individualidade dos nossos pacientes, esse caminho se torna mais fácil.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS 

 

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.

 

BECK, A., DAVIS, D., FREEMAN, A.Terapia Cognitiva dos Transtornos de Personalidade, 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017, p. 25

 

BECK, J., Terapia Cognitiva Comportamental: teoria e prática, 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2022, p. 16- 24,

 

CORSO, H. V., Sperb, T. M., de Jou, G. I., & Salles, J. F. (2013). Metacognição e Funções Executivas: Relações entre os Conceitos e Implicações para a Aprendizagem. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 29(1), 21-29.

 

ISKRIC A, Barkley-Levenson E. Neural Changes in Borderline Personality Disorder After Dialectical Behavior Therapy-A Review. Front Psychiatry. 2021 Dec 17;12:772081. doi: 10.3389/fpsyt.2021.772081. PMID: 34975574; PMCID: PMC8718753.

NATIONAL ALLIANCE ON MENTAL ILLNESS – NAMI. Borderline Personality Disorder. National Alliance on Mental Illness, [S. l.], dez. 2017. Disponível em: https://www.nami.org/About-Mental-Illness/Mental-Health-Conditions/BorderlinePersonality-Disorder/Overview.

 

NEW, A., Hazlett, E., Buchsbaum, M. et al. Amygdala–Prefrontal Disconnection in Borderline Personality Disorder. Neuropsychopharmacol 32, 1629–1640 (2007).

 

PORTO, P.; OLIVEIRA, L.; VOLCHAN, E. et al. Evidências científicas das neurociências para a terapia cognitivo-comportamental, Revista Paidéia, Rio de Janeiro, 2008, p.4

 

RUOCCO AC, Carcone D. A Neurobiological Model of Borderline Personality Disorder: Systematic and Integrative Review. Harv Rev Psychiatry. 2016 Sep-Oct;24(5):311-29. doi: 10.1097/HRP.0000000000000123. PMID: 27603741.

 

SAPOLSKY, R., Comporte-se. 1. ed. Porto Alegre: Artmed, 2021, p. 41, 54